Casa lotada na noite de 18 de abril, em Belo
Horizonte, quando o auditório do Conservatório da UFMG, com seus 220 lugares ficou
pequeno, mas, na medida exata para uma audiência perfeita da primeira
apresentação pública dos Manuscritos de Buenos Aires. As obras recém
descobertas de Francisco Mignone – um dos mais importantes compositores do
século XX, completamente desconhecidas da comunidade acadêmica musical e do
público geral, foram trazidas à tona, graças à tese de doutorado do violonista
mineiro, Fernando Araújo. O concerto das
obras para violão, que trouxe Fernando Araújo e seu ex-aluno, o violonista
Celso Faria ao palco para a mostra inédita foi de expressão singular que somou a
curiosidade sobre o acervo datado de 1970 à execução primorosa das composições
de Mignone, exatamente no ano em que se comemora 120 anos do seu nascimento.
Para quem acredita em acaso, uma feliz coincidência.
Para quem acredita em missão, o que eu chamaria de ‘Deusidência’.
Para quem acredita em acaso, uma feliz coincidência.
Para quem acredita em missão, o que eu chamaria de ‘Deusidência’.
O
caminho pelo qual os manuscritos trilharam desde as composições de Mignone, dedicadas
ao Duo Pomponio-Zárate - casal de violonistas argentinos cujas interpretações
encantaram Francisco Mignone, nos anos 70 e fizeram com que, já com quase 73
anos de idade, compusesse um conjunto de obras que deixaria a marca de seu
legado eternizada em coerência com os primórdios de sua carreira – foi no
mínimo inusitado. Segundo a vasta pesquisa do professor de violão da UFMG,
violonista Fernando Araújo - Mestre em Música pela Manhattan School of Music de
Nova York e, agora, Doutor em Música pela Escola de Música da UFMG - após anos sob a guarda do duo Graciela
Pomponio e Jorge Martínez Zárate, as partituras – depois da morte do casal caíram nas mãos de um estudante e foram transitando em suas várias residências,
pasme, guardados – ainda que por considerável relevância – em um saco de lixo!
Aquele tradicional saco de lixo foi levado pelo estudante à Universidade de
Buenos Aires e entregue em uma portaria da entidade. No conteúdo: peças
que permaneceram, com exceção de uma (Lundu – anteriormente documentada com o
título de ‘Brazilian Song’),
inteiramente desconhecidas e ignoradas pela comunidade musical e acadêmica no
Brasil, estando ausentes de todos os catálogos e literatura dedicados à obra de
Mignone. O acervo - embora
acolhido, cuidadosamente - ainda assim,
permaneceu no local, até seu próximo destino: chegar ao conhecimento do violonista
brasileiro, Fernando Araújo que, em quatro anos, não poupou esforços para
compreender muito mais acerca dos manuscritos.
Na tese
de doutorado, Fernando abordou os chamados “Manuscritos de Buenos Aires” em
três aspectos: musicológico, interpretação e edição. O trabalho altamente elogiado pela banca
examinadora torna-se agora, certamente, material de consulta para a comunidade
musical do mundo inteiro, documentando e somando valores à obra de Francisco
Mignone e elevando a América Latina ao foco de importantes estudos
relacionados, por exemplo, à edição de obras musicais – aspecto cuja literatura
e pensamento ainda permanecem ligados à abordagens oriundas do continente europeu. A
torcida é para que a tese seja publicada em breve e, as obras, registradas
fonograficamente.
Quem foi ao concerto inaugural dos “Manuscritos
de Buenos Aires” pôde apreciar um repertório precioso por caráter histórico-musical,
relacionado à obra de e que vêm de encontro às origens de sua obra e o forte respeito
ao universo musical brasileiro. Mas, o valor do recital não se limita a este
aspecto. Mergulhado no universo mignoniano,
Fernando Araújo observou nas pesquisas, cada detalhe naquelas pautas, com
dinâmica e percepção dos escritos originais, impecáveis. O que nos transporta
para um
lugar peculiar neste passeio pela música, guiando-nos, através dos
tempos,
para experimentar, com fidelidade, a proposta do compositor
ao traçar notas
e compassos,
naqueles almaços que atravessaram quase 50 anos de
sobrevivência, em
obscuridade. Ouvir Fernando Araújo e Celso Faria
nesta execução é privilégio e
compromisso cultural. Alia a beleza das delicadas
composições à oportunidade de, em audição atenta,
sermos testemunhas propagadoras de uma história de raro valor.
Na platéia de estréia estavam
composições à oportunidade de, em audição atenta,
sermos testemunhas propagadoras de uma história de raro valor.
Na platéia de estréia estavam
apreciadores da música, músicos inúmeros, entre eles o violonista
Juarez
Moreira (co-realizador do Festival Internacional de Violão,
ao lado de Araújo e
Alieksey Viana, a produtora fonográfica
Carminha Guerra/Selo Karmim,
responsável pelo CD “Universal”,
interpretado por Fernando Aráujo, gravado há
alguns anos,
o cantor e instrumentista Sérgio Pererê).
É concerto obrigatório,
nas melhores salas nacionais e internacionais.
Material sobre o qual vale abrir,
atentamente, o olhar. Ou, ainda,
cerrar as pálpebras para potencializar a
audição.
Márcia Francisco, jornalista e escritora - BH-MG-19/04/2017
Celso Faria e Fernando Araújo - fotos: Márcia Francisco
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