A poeta Adélia Prado (Divinopolis/MG) acaba de conquistar o prêmio Camões, a distinção mais importante da língua portuguesa. O prêmio é concedido pela instituição portuguesa Fundação Biblioteca Nacional (FBN).
Há cerca de uma semana, Adélia recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, também, pelo conjunto da obra.
Sobre as premiações, a escritora revelou:
"Foi com muita alegria e emoção que recebi, hoje, dia 26 de junho, um telefonema da sra. Dalila Rodrigues, ministra da Cultura de Portugal, me informando que fui agraciada com o Prêmio Camões. Estava ainda comemorando o recebimento do Prêmio Machado de Assis, da ABL, e agora estou duplamente em festa. Quero dividir minha alegria com todos os amantes da língua portuguesa, esta fonte poderosa de criação. Na tentativa de expressar meu mais profundo sentimento de gratidão, peço a um de meus poemas que me socorra:
O NASCIMENTO DO POEMA
O que existe são coisas,
não palavras. Por isso
te ouvirei sem cansaço recitar em búlgaro
como olharei montanhas durante horas,
ou nuvens.
Sinais valem palavras,
palavras valem coisas,
coisas não valem nada.
Entender é um rapto,
é o mesmo que desentender.
Minha mãe morrendo,
não faltou a meu choro este arco-íris:
o luto irá bem com meus cabelos claros.
Granito, lápide, crepe,
são belas coisas ou palavras belas?
Mármore, sol, lixívia.
Entender me sequestra de palavra e de coisa,
arremessa-me ao coração da poesia.
Por isso escrevo os poemas
pra velar o que ameaça minha fraqueza mortal.
Recuso-me a acreditar que homens inventam as línguas,
é o Espírito quem me impele,
quer ser adorado
e sopra no meu ouvido este hino litúrgico:
baldes, vassouras, dívidas e medo,
desejo de ver Jonathan e ser condenada ao inferno.
Não construí as pirâmides. Sou Deus.
MINHA POESIA
Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda a sua glória, se vestiu como um deles..." A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. Tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito para essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse. Poderosa, maravilhosa, encantatória. Sua beleza apenas comprava-me e aos meus ouvintes. Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarice. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa. Continuava a escrever, mas enfadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, eu disse, é a minha fala. Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de olhar formigas trabalhando. O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é o labor do poeta
(Depoimento extraído da revista Poesia Sempre, número 8, junho de 1997)
Nenhum comentário:
Postar um comentário